Jandiro Francisco, Angolano de 20 anos, é Técnico Informático pelo IPB, escritor (contista, poeta e prosador) autor de E se pondera não fosse droga? (AJEA-Editora) e textos sobre quimeras cotidianas.
preocupação
o que me preocupa
é somente cuidar do hoje
— não rogo o amanhã,
deixo-o que venha em paz —
porque ainda que se queira,
o tempo não cabe
nas palmas das minhas mãos.
efeito dominó
o que do tempo sobra,
é uma marca da espécie
que não se vai.
este corpo,
embora possa ser modificado
pelo amanhã, ainda há de ser ontem.
“ao tempo, adequar-se”,
mas este efeito dominó dos dias
é-me nauseante
— como se eu precisasse
de tempo para digerir o tempo.
bicho
tínhamos muito amor
e pouca coragem,
isso sempre dá em nada.
o amor
é um bicho frágil
e mesmo que qualquer
bicho tenha o seu lado perigoso,
esse bicho, o amor,
quando sozinho,
corre às cegas.
pequeno questionário sobre a saudade
sente tudo e todos menos a si próprio?
às vezes, sente-se inútil
por não sentir nada?
nas artérias, por exemplo, não corre nada
senão o vazio existencial?
perde-se quando julga
que se encontrou?
isso é grave, mas recorrente.
o que tem é saudades de você.
e, saudades próprias,
na minha não humilde opinião,
é o ápice da solidão.
erguer o poema
ergo o poema
como se ergue o tempo:
um segundo por vez,
um verso após o outro;
um minuto por vez,
uma estrofe após a outra;
um dia de cada vez,
um poema de cada dia.
Arte: Grey Partridge with ox-eye daisies, de Bruno Liljefors.